Neste período de excepcionalidade ocasionado pela pandemia do coronavírus, diversos assuntos têm sido pauta de discussões, dentre eles os Decretos que regulamentam o fechamento e/ou abertura de determinadas atividades e setores. Tais medidas recebem críticas, elogios, questionamentos e ações judiciais.
Longe de analisarmos as questões financeiras ou políticas, nos importa verificar a legitimidade e a forma de tais regulamentações, bem como o que diz respeito aos argumentos de que tais medidas levam à violação dos direitos constitucionais à liberdade do exercício de atividades e ao direito de ir e vir, sendo que de outro lado está a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 6343), que para muitos “concedeu/transferiu” os poderes aos Municípios e Estados para legislarem sobre a saúde e suas medidas de enfretamento à pandemia.
Há de se ressaltar que não se trata de transferência de poderes ou violação de liberdades constitucionais. A Constituição possui as competências elencadas de cada esfera, e em diversos pontos tais direitos de regramento são comuns ou concorrentes, isto é, todos podem legislar. Tal estrutura detém ainda dois grandes alicerces. Por ser federativa, isto é, união de Estados e Municípios, o peso das regras às atividades restou ser delegado aos entes mais próximos à sociedade e capazes de verificar, medir e atuar junto aos seus jurisdicionados, contudo, para evitar conflitos e possibilitar a evolução coletiva enquanto nação, a Constituição delegou à União o dever e/ou o direito de normas gerais.
No uso dessa visão, o STF por maioria, ao analisar o artigo 18; artigo 23, inciso II; artigo 24, inciso XII e artigo 198, inciso I da Constituição, decidiu que a União pode criar políticas públicas voltadas à saúde e nortear as atividades, porém por ser concorrente, os Estados também detêm tais poderes. Os Municípios, observando as regras gerais da União e de seus Estados, podem regulamentar as atividades desenvolvidas em seus limites, isto por força do artigo 23, inciso I, que prevê o poder para “legislar sobre assuntos de interesse local”.
É com base em tal competência que os Municípios regulam a possibilidade de abertura, fechamento, horários de funcionamento de empresas e atividades. Sobre o aparente conflito com outras garantias dadas aos brasileiros, extraem-se do texto constitucional dois princípios que, postos na balança, superam de forma momentânea os anteriormente citados: o direito à vida e a supremacia do interesse público.
Não se trata de concordância ou não com os Decretos apresentados, que devem ser postos, com respeito às outras normas e as prescrições gerais da União e dos Estados, para análise do corpo técnico de saúde que valide os atos, e sim de revelar que a gestão e coordenação das atividades desenvolvidas no seio de Municípios estão dentro das competências concedidas pela Carta Magna, por ser justamente a parte do Executivo que em tese se torna mais próxima e capaz de captar os anseios da sociedade.
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Marcus Vinicius Marcílio Cardoso
Advogado, Especialista pelo Ipog em Direito Tributário pelo IBET e Mestrando em Direito Tributário pela Universidade Católica Argentina